Possibilidade jurídica de "substituir" a incidência de IPTU por ITR em imóvel urbano
- Nikolas Diniz
- 14 de out. de 2021
- 7 min de leitura

Em via de regra, como o próprio nome já diz, o Imposto Territorial e Predial Urbano – IPTU é o imposto municipal[1] cobrado em função da propriedade, domínio útil ou posse sobre imóvel localizado na zona urbana, enquanto o Imposto Territorial Rural – ITR é o imposto federal[2] cobrado pela propriedade, domínio útil ou posse sobre imóvel localizado na zona rural.
À primeira vista, pode parecer que o fator determinante para a incidência de um ou de outro imposto é a localização geográfica, porém o entendimento dominante na jurisprudência consolidou-se numa interpretação mais ampla, afastando-se de uma interpretação literal do texto de lei para privilegiar a finalidade da norma, que é cobrar ITR de imóveis com características rurais e IPTU de imóveis características urbanas.
Dessa forma, apenas a localização geográfica do imóvel, isto é, se localizado em zona urbana ou rural, tornou-se insuficiente para determinar se sobre o mesmo será cobrado o IPTU ou ITR, devendo ser levado em consideração a destinação econômica da propriedade.
Assim, é juridicamente possível que sobre um imóvel localizado dentro do perímetro urbano e classificado pelo Plano Diretor como pertencente a zona urbana incida o ITR, ao invés do IPTU. Esse entendimento encontra-se consolidado na jurisprudência dos tribunais superiores, em especial pelo Resp nº 1.112.646/SP, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça e submetido à sistemática dos recursos repetitivos, que deu origem ao Tema nº 174/STJ reconhecendo a validade e vigência do artigo 15 do Decreto Lei nº 57 de 1966:
Não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15 do DL 57/1966).
DL nº 57/66, Art. 15 - O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, incidindo assim, sôbre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados.
Aproveito a presente oportunidade para expor outro acórdão do STJ, proferido por sua 2ª Turma e sob relatoria do Ministro Francisco Falcão, no qual se reitera o entendimento firmado no Tema nº 174/STJ e expõe como o critério geográfico não é suficiente para fundamentar a incidência do IPTU, devendo ser observada a destinação do imóvel.
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. IPTU. IMÓVEL LOCALIZADO EM ÁREA URBANA DESTINADO À EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE EXTRATIVISTA, AGRÍCOLA, PECUÁRIA OU AGROINDUSTRIAL. NÃO INCIDÊNCIA DO IPTU. PRECEDENTES DO STJ. I - Na origem, trata-se de ação anulatória de lançamento fiscal para declarar inexistente a relação jurídica-tributária de incidência de IPTU sobre o imóvel descrito na inicial. Na sentença, julgou-se procedente o pedido. No Tribunal, a sentença foi mantida. II - No tocante à suposta violação do art. 32, § 2º, do CTN, não assiste razão ao recorrente. O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento submetido ao rito próprio dos recursos especiais repetitivos (REsp n. 1.112.646/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 26/8/2009, DJe 28/8/2009), firmou a tese (Tema n. 174/STJ) de acordo com a qual, sobre imóvel localizado na área urbana do município, comprovadamente destinado à exploração de atividade extrativista, agrícola, pecuária ou agroindustrial, nos termos do art. 15 do Decreto-Lei n. 57/1966, não incide Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), mas sim Imposto Territorial Rural (ITR). Acerca do assunto, destaco os seguintes precedentes: AgRg no AREsp n. 259.607/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 11/6/2013, DJe 17/6/2013 e AgInt no AREsp n. 1.197.346/SP, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 8/5/2018, DJe 15/5/2018. III- A partir da análise do acórdão recorrido, é possível verificar que a decisão impugnada está em consonância com a tese firmada por esta Corte Superior, no julgamento de recurso especial repetitivo (REsp n. 1.112.646/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 26/8/2009, DJe 28/8/2009), razão pela qual não merece reforma. Infere-se o exposto do fragmento do voto condutor transcrito a seguir: "Para a incidência do IPTU sobre um imóvel, além do critério espacial previsto no art. 32 do CTN, deve ser aferida a sua destinação, nos termos do art. 15 do DL 57/1966. (...) Isto posto, no caso sub judice, verifica-se que os apelados comprovaram a exploração de atividade agrícola no imóvel e apresentaram, a fls. 42/66, o pagamento de contribuição sindical rural, a realização de projeto e a execução de plantio de mudas das espécies guanandi e palmeiras (fls. 261), além do recolhimento do Imposto Territorial Rural, relativo ao imóvel. (...) Deste modo, a despeito de se tratar de um imóvel situado em zona de expansão urbana, os autores comprovaram o desenvolvimento de atividade agrícola, sendo, portanto, de rigor manter a r. sentença tal como lançada." IV - Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 1377458 / SP AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2018/0260184-6). (grifos próprios)
E qual vantagem prática dessa informação?
Grande parte da população que vive na zona urbana desconhece ou sabe muito pouco sobre o ITR por ser um tributo com baixíssima relevância no cotidiano das cidades. Contudo, trata-se de um imposto com base de cálculo e alíquota infinitamente inferiores aos utilizados para o cálculo do IPTU, resultando numa economia tributária gigantesca para o contribuinte. O valor do ITR, dependendo do valor da terra nua, da sua área tributável e do grau de utilização chega a ser 99% inferior ao valor cobrado pelo IPTU sobre o mesmo imóvel.
Contudo, não são todos os imóveis urbanos que podem ser enquadrados nessa hipótese de “substituição” do IPTU pelo ITR. Por exemplo, imóveis com edificações urbanas, como prédios, galpões industriais, comércios, casas e afins, dificultam a sua caracterização como área destina à exploração agrícola em face das construções urbanas existentes, assim como imóveis de pequenas proporções podem tornar a exploração agrícola tecnicamente inviável ou insuficiente, inviabilizando a caracterização do imóvel como destinação rural.
A aplicação dessa jurisprudência serve para imóveis de grandes proporções localizados no perímetro urbano, sem edificações urbanas em suas dependências e com área útil que viabilize a sua exploração agrícola, seja por meio da agricultura ou da agropecuária. Normalmente, imóveis nessas condições são utilizados para especulação imobiliária – o proprietário deixa o imóvel parado esperando uma oportunidade futura para vender ou investir com o imóvel mais valorizado[3].
Dessa forma, usufruir desse entendimento jurisprudencial pode ser extremamente benéfico para o bolso do contribuinte, em especial para aqueles com grandes terrenos vazios na zona urbana. Na prática, existem duas formas para enquadrar alterar a incidência de IPTU para ITR em um imóvel localizado na zona urbana.
A primeira forma é pela inscrição do imóvel junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, convertendo-o de imóvel urbano para imóvel de natureza rural. Cumpridas as exigências legais e normativas do órgão, sob o imóvel passará a incidir o ITR – que deverá ser pago anualmente pelo contribuinte. A vantagem desse método é que muitas Prefeituras, inclusive a de Sorocaba, possuem convênio com o Governo Federal para compartilhamento de dados, de forma que a não incidência do IPTU é dada pelo Poder Público Municipal automaticamente, de ofício.
Nas cidades em que esse tipo de convênio não existe, o contribuinte deverá ingressar na prefeitura com um processo administrativo solicitando a não incidência do IPTU. Apesar de não ocorrer de forma automática, a existência de inscrição do imóvel no INCRA, juntamente com o pagamento regular do ITR, são documentos suficientes para a Prefeitura conceder a “isenção” por entender que o mesmo possui destinação agropecuária. Logo, é juridicamente recomendável que o contribuinte opte pela presente hipótese por ser a concessão da hipótese de não incidência do IPTU junto a Prefeitura mais célere e segura.
Futuramente, caso seja do interesse do contribuinte, é lícito – e relativamente simples – que ele faça nova solicitação ao INCRA e, também, à Prefeitura Municipal para que o imóvel retorne para sua condição originária, isto é, propriedade urbana – importante para viabilizar o loteamento do terreno.
A segunda forma é pela comprovação, por meio de processo administrativo junto a respectiva Prefeitura Municipal, de que há no imóvel efetiva exploração de atividade extrativista, seja para agricultura, pecuária ou agroindustrial, para fins de não incidência do IPTU.
Essa hipótese, apesar de viável administrativamente, apresenta maiores riscos em função da maior discricionariedade do agente público na análise dos documentos que instruem o pedido. Também há que se destacar a possível existência de legislação municipal estabelecendo parâmetros legais para que uma área seja classificada como e destinação rural – por exemplo, na cidade de Sorocaba as legislações pertinentes são a Lei Orgânica do Município e o Decreto Municipal nº 11.891 de 1999, ambas estabelecendo critérios legais para comprovação da exploração agropecuária.
Em caso de negativa da Administração Pública municipal em entender pela não incidência do IPTU e indeferido os recursos administrativos, o proprietário deverá recorrer ao Poder Judiciário para analisar a questão e proferir uma decisão sobre o mérito. Caso o juiz entenda que o terreno é, de fato, utilizado para produção agropecuária, então poderá determinar que sobre o imóvel não incide IPTU, mas sim ITR. Contudo, os julgamentos no poder judiciário, em especial na fazenda pública, são demorados e a Procuradoria do Município sempre recorrer das decisões, retardando ainda mais um desfecho definitivo.
Dessa forma, o caminho mais seguro e célere para a não incidência do IPTU sobre imóvel em zona urbana em função da exploração extrativista do mesmo e pela inscrição do imóvel junto ao INCRA e pelo pagamento regular do respectivo ITR.
Por fim, importante destacar que independente da opção escolhida pelo contribuinte, ele deverá, de fato, dar destinação rural ao imóvel, utilizando-o para efetiva e real exploração extrativista. O Incra, a Prefeitura Municipal e outros órgãos públicos podem fiscalizar os imóveis a fim de comprovar a sua destinação rural e, caso seja constatada a fraude, poderá o proprietário ser penalizado com a cobrança retroativa dos IPTUs dos últimos 5 (cinco) anos.
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Caso tenha o interesse de aplicar essa hipótese de “substituição” do IPTU por ITR em imóvel localizado na zona urbana, recomendamos a contratação de advogado especializado para avaliar a situação fática e jurídica do imóvel, traçar a melhor estratégia para enquadramento jurídico e executá-la junto aos órgãos competentes.
[1] O ente responsável por fiscalizar e cobrar o IPTU é a Prefeitura Municipal em que o imóvel está localizado.
[2] O ente responsável por fiscalizar e cobrar o ITR é a União, em todo o território nacional e, normalmente, o faz por meio do Incra.
[3] Em geral, aplica-se esse entendimento em grandes propriedades localizadas na região periférica da zona urbana, nas quais o proprietário possui a intenção de, no futuro, fazer um loteamento, mas que no momento não é economicamente viável. Assim, para não arcar nesse meio tempo com o elevado valor do IPTU, o contribuinte opta pela destinação extrativista do imóvel para incidência do ITR enquanto espera a oportunidade certa para fazer os investimentos imobiliários.





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