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Artigo: Da Fidelidade Partidária como Princípio Constitucional – EC nº 111/2021

  • Foto do escritor: Nikolas Diniz
    Nikolas Diniz
  • 16 de dez. de 2021
  • 6 min de leitura

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A Constituição Federal de 1988 coloca os partidos políticos como instituições fundamentais para a manutenção e fortalecimento do Estado Democrático de Direito, indispensáveis para o processo eleitoral, para o pluralismo político e para viabilizar a política representativa – parágrafo único do artigo 1º da CF/88.

Esse papel de destaque das agremiações é evidenciado pelos artigos 17, parágrafo 1º, e artigo 14, parágrafo 3º, ambos da CF. O primeiro prevê que o estatuto do partido político deve “estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária” e o segundo estabelece como condição de elegibilidade a filiação partidária[1].

Apesar desses dois artigos transformarem a vinculação a agremiação política uma obrigação constitucional para concorrer nas eleições e fixarem em âmbito constitucional a fidelidade partidária como norteadora do agir político dos eleitos, a jurisprudência do TSE tinha o entendimento de que as questões relativas a fidelidade partidária eram assuntos interna corporis das siglas.

O TSE segui o espírito da constituição ao considerar os partidos políticos como fundamentais para a Democracia e instituições jurídicas relevantes, porém entendia que por falta de previsão constitucional os atos de infidelidade partidária não poderiam resultar em perda de mandato ou outras sanções judiciais.

Assim, os atos de infidelidade partidária seriam julgados nas esferas internas do próprio partido e as punições seriam no âmbito administrativo de cada sigla.


Ora, se a própria Constituição não estabelece a perda de mandato para o Deputado que, eleito pelo sistema de representação proporcional, muda de Partido e, com isso, diminui a representação parlamentar do Partido por que se elegeu (e se elegeu muitas vezes graças ao voto de legenda), quer isso dizer que, apesar da Carta Magna dar acentuado valor à representação partidária (arts. 5º, LXX, a; 58 parágrafos 1º e 4º; 103, VIII), não quis preservá-la com a adoção da sanção jurídica da perda do mandato, para impedir a redução da representação de um Partido no Parlamento. Se quisesse, bastaria ter colocado essa hipótese entre as causas de perda de mandato, a que alude o artigo 55. (Rel. Ministro Moreira Alves, DJ 15-4-1994, p. 8.061)


Contudo, essa interpretação do TSE mudou substancialmente no decorrer dos anos, tendo, a partir de 2007, convergido para o entendimento de que o mandato obtido pelo sistema proporcional de votos pertencia ao partido político e não ao candidato eleito. Logo, se o mandato é do partido político, o mesmo poderá solicitar na Justiça Eleitoral a retomada do mandato em caso de infidelidade partidária.


No entanto, essa interpretação não mais subsiste. Ao responder positivamente a Consulta nº 1.398, em 27 de março de 2007, formulada pelo então existente Partido da Frente Liberal (PFL), o Tribunal Superior Eleitoral fixou o entendimento segundo o qual “os Partidos Políticos e as coligações conservam direito à vaga obtida pelo sistema proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda” (TSE – Res. nº 22.526 – DJ 9-5-2007, p. 143). Consequentemente perderá o mandato o parlamentar que se desfiliar do partido pelo qual se elegeu.[2]


Após alguns meses dessa mudança de entendimento, ainda no ano de 2007, o TSE editou a Resolução nº 22.610 para determinar juridicamente os atos de infidelidade partidária, as justas causas para desfiliação e disciplinar o processo de perda de mandato.

Por meio dessa resolução ficou estabelecido que a infidelidade partidária consiste na desfiliação do partido pelo qual foi eleito – seja pela desfiliação propriamente dita ou pela filiação a outra sigla – do partido pelo qual foi eleito sem justa causa.

A referida resolução trouxe em seu artigo 1º as hipóteses de justa causa para desfiliação partidária. Contudo, em 2015, foi incluído o artigo 22-A na Lei dos Partidos Político, determinando novas hipóteses de justa causa e revogando tacitamente o artigo 1º da Resolução.

Em adição ao artigo 22-A da LPP, existem outras duas hipóteses de justa causa para desfiliação partidária previstas na constituição, são elas os parágrafos 5º e 6º do artigo 17 da Carta Magna.

Os fundamentos para a alteração de entendimento do TSE e da edição da Resolução 22.610/07 estão vinculados a relevância do partido político no processo eleitoral e do seu papel de canalizador e representante da vontade popular. Assim, resultado das urnas também é fruto da identificação do eleitorado com o partido político.

Em um Estado Democrático de Direito, os partidos políticos não são apenas mais um requisito formal para que determinado candidato esteja apto para participar do processo eleitoral. Pelo contrário, os partidos políticos devem representar valores, princípios e ideias presentes na sociedade, possuir propostas políticas, econômicas e sociais concretas e coesas para orientar a atuação do Estado – organização, políticas públicas, legislação e mais.

Assim, o espírito da nossa Constituição Federal não coloca o partido político apenas como um requisito de elegibilidade, mas o entende como uma instituição fundamental por canalizar e representar interesses legítimos da sociedade, organizando os cidadãos politicamente para ocupar cargos de poder e concretizar os valores e princípios pela atuação estatal.

Dessa forma, o candidato é eleito, em especial nas eleições proporcionais, não alcança o sucesso eleitoral de forma isolada, por méritos exclusivos de sua pessoa. Pelo contrário, o partido político é fator central e que influencia diretamente no sucesso eleitoral. Para os eleitores, a filiação partidária representa um atestado de que determinado candidato defende os valores e ideias daquele partido, podendo confiar o seu voto! O partido político valida o candidato para o povo, que o escolhe como representante.

Esse é o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal no emblemático julgamento da ADI nº 5081/DF, no qual fixou-se que a fidelidade partidária é fundamental para preservar a vontade popular e o resultado das eleições e, por isso, o mandato nas eleições proporcionais pertence ao partido político, não ao candidato.


DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO Nº 22.610/2007 DO TSE. INAPLICABILIDADE DA REGRA DE PERDA DO MANDATO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA AO SISTEMA ELEITORAL MAJORITÁRIO. 1. Cabimento da ação. Nas ADIs 3.999/DF e 4.086/DF, discutiu-se o alcance do poder regulamentar da Justiça Eleitoral e sua competência para dispor acerca da perda de mandatos eletivos. O ponto central discutido na presente ação é totalmente diverso: saber se é legítima a extensão da regra da fidelidade partidária aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário. 2. As decisões nos Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604 tiveram como pano de fundo o sistema proporcional, que é adotado para a eleição de deputados federais, estaduais e vereadores. As características do sistema proporcional, com sua ênfase nos votos obtidos pelos partidos, tornam a fidelidade partidária importante para garantir que as opções políticas feitas pelo eleitor no momento da eleição sejam minimamente preservadas. Daí a legitimidade de se decretar a perda do mandato do candidato que abandona a legenda pela qual se elegeu. 3. O sistema majoritário, adotado para a eleição de presidente, governador, prefeito e senador, tem lógica e dinâmica diversas da do sistema proporcional. As características do sistema majoritário, com sua ênfase na figura do candidato, fazem com que a perda do mandato, no caso de mudança de partido, frustre a vontade do eleitor e vulnere a soberania popular (CF, art. 1º, parágrafo único; e art. 14, caput). 4. Procedência do pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade.

(STF - ADI: 5081 DF - DISTRITO FEDERAL 9996753-92.2013.1.00.0000, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 27/05/2015, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-162 19-08-2015).


Se a fidelidade partidária já possui guarida constitucional e respaldo consolidado dos Tribunais Superiores, o advento da Emenda Constitucional nº 111 de 2021 serviu para cravar no seio do texto constitucional esse instituto do Direito Eleitoral. De forma literal e com clareza solar a fidelidade partidária se tornou princípio constitucional!

A referida emenda acrescentou o parágrafo 6º ao artigo 17 da Constituição Federal, o qual determinada a perda do mandato eletivo para os deputados federais que se desligarem do partido pelo qual foram eleitos, salvo mediante anuência do partido ou se enquadrado nas hipóteses de justa causa previstas na legislação.


§ 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 111, de 2021)


A contribuição mais relevante dessa Emenda Constitucional para o fortalecimento o princípio da fidelidade partidária foi a previsão constitucional de seu conceito – proibindo a desfiliação arbitrária do partido de origem – e a previsão expressa da perda de mandato como consequência para os atos de infidelidade partidária.

Logo, os atos de infidelidade partidária representam violação direta e aviltante contra o fundamento do ordenamento jurídico pátrio, a Constituição Federal, atentando frontalmente contra os princípios mais caros do Direito Eleitoral: a vontade popular e o governo representativo.

[1] Para estar juridicamente apto a candidatar-se, todo indivíduo deve estar filiado a alguma agremiação. [2] GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. São Paulo: Atlas, 16ª Edição, 2020, pág. 154. (grifos próprios)

 
 
 

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